Talvez por pingos de
vaidade e resquícios dos desejos de uma criança que almejava ser
astronauta, condicionei mente e coração para repudiar a “vida
comum”. Aquela em que o cidadão acorda, faz café, se dedica à
família, ao trabalho, aos amigos, volta pra casa cansado, dorme e
recomeça. Aquela em que o cidadão anda nas ruas ou dirige seu carro
e no final de semana, quem sabe, lhe sobre tempo para cantar. Como
diria aquela música*.
Deixei-me, portanto,
levar pela grandiosidade ilusória de diversas peripécias nesta
vida. Fascinada pela grandeza de bandeiras, ídolos, discursos. Já
bati em grandes portas, por breves momentos pude entrar em grandes
salões. Almejei e cheguei a abraçar algumas grandes estradas,
missões e hinos retumbantes, fazendo pouco de pequenas tarefas do
dia a dia e do pequeno corredor entre meu quarto e a sala de estar.
E foi no auge do
distanciamento máximo que pude alcançar daquela tediosa vida
pequenininha que num sopro a Vida retirou-me todo e qualquer fiapo de
grandeza, arrastando-me num único assalto ao cotidiano pueril. Da
noite para o dia vi-me mãe. Do dia para noite vi-me saindo para
trabalhar com burocracias. Da noite para o dia vi-me sorvendo
adrenalina de nenhuma aventura outra que não fosse o trânsito de
meio dia. Do dia para a noite minhas cartas endereçadas a grandes
pessoas não mais foram respondidas.
E dos prazeres
pirotécnicos que outrora em fantasia vivi restou-me o tenro gozo de
nada mais nada além que uma ocasional noite inteiramente dormida em
meio ao turbilhão da maternidade, de um café bem prensados às 5 da
manhã, do pequeno assobio de um velho beija-flor, do refrão de
Samba da Bênção entoado por meu filho no banco de trás a caminho
da escola, do restauro de laços antigos e fragmentados com amigos da
infância dispostos a abraçar de volta esta pobre vaidosa que
outrora sucumbiu às grandiosidades lá longe.
Descobri, na mágica
idade de 33 estar fadada à vida comum. Essa mesma, para quem não
mais cabe mudar o mundo. No máximo, talvez, “uma planta de lugar”.
Que vazio isso traz! Estaria Atlas tão acostumado ao peso que se um
dia o mundo evaporasse ele também se sentiria meio perdido?
Veja-me novamente
ainda vaidosa comparando-me a Atlas! É que os pesos da vida
pequenininha por vezes também se assemelham a um mundo nas costas…
Acreditem os grandes homens e mulheres ou não.
Quão árdua é a
reconfiguração da mente e do coração destituídos de sua
candidatura a um papel de líder dentro de uma ilusória Grande Vida
pelo miúdo papel de figurante nessa vida pequenina**, cuja beleza
parece tão vazia, aos poucos preenchida pelo pequeno broto que surge
na planta que se muda de lugar, pelos sorrisos arrancados dos novos
rostos que aparecem nesse novo enredo, pelas ruas percorridas sob
pores do sol até então tratados com displicência pelo grande
caminhar que mirava apenas as constelações, pelos novos cantos que
recontam uma nova história, cujo brilho se examinado bem de perto é
bem provável que se assemelhe ao das estrelas que por ventura
poderia ter contemplado se houvesse alcançado a grandeza de um dia
ser astronauta.
As músicas:
* “Malandragem”
** “Wish You Were
Here”