domingo, 20 de agosto de 2023

PULSO


Por que inventaram teu sorriso?
Não bastassem os olhos da tua alma
Que fizeram do meu peito abismo
Para que também teu riso que avassala?

Por que forjaram-se tuas mãos?
Se suficiente tua aura e encanto
Ao longe, a tocar-me apenas pelo vento
Para que o tato, se tua voz escondia o não?

Por que do encontro?
Se em paz estava contigo apenas em sonho
E o desfecho seria o desencontro
Para que me tirar a calma e sobretudo o sono?

Ora, de que vale coração inteiro
Quando é pela fresta que se entra a luz
E se é pela queima que se acende o candeeiro?

Ora, de que vale alma intacta
Quando dilacerada se refaz das cinzas
E quando refeita é invicta?

Ora, de que vale pele impávida
Quando o sopro é quem lhe dá o pulso
E pulsando recobra a vida havida?

Pois prefiro a calmaria
Do chão firme e das raízes

A certeza da paz, ainda que fria
Ao calor das incertezas algozes 

Prefiro o abrigo de um ninho alto
De onde voar e sobretudo aterrizar

Prefiro amar sem nenhum salto

Prefiro o pouso,

Ao pulso



quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Vida Pequenininha

Talvez por pingos de vaidade e resquícios dos desejos de uma criança que almejava ser astronauta, condicionei mente e coração para repudiar a “vida comum”. Aquela em que o cidadão acorda, faz café, se dedica à família, ao trabalho, aos amigos, volta pra casa cansado, dorme e recomeça. Aquela em que o cidadão anda nas ruas ou dirige seu carro e no final de semana, quem sabe, lhe sobre tempo para cantar. Como diria aquela música*.


Deixei-me, portanto, levar pela grandiosidade ilusória de diversas peripécias nesta vida. Fascinada pela grandeza de bandeiras, ídolos, discursos. Já bati em grandes portas, por breves momentos pude entrar em grandes salões. Almejei e cheguei a abraçar algumas grandes estradas, missões e hinos retumbantes, fazendo pouco de pequenas tarefas do dia a dia e do pequeno corredor entre meu quarto e a sala de estar.


E foi no auge do distanciamento máximo que pude alcançar daquela tediosa vida pequenininha que num sopro a Vida retirou-me todo e qualquer fiapo de grandeza, arrastando-me num único assalto ao cotidiano pueril. Da noite para o dia vi-me mãe. Do dia para noite vi-me saindo para trabalhar com burocracias. Da noite para o dia vi-me sorvendo adrenalina de nenhuma aventura outra que não fosse o trânsito de meio dia. Do dia para a noite minhas cartas endereçadas a grandes pessoas não mais foram respondidas.


E dos prazeres pirotécnicos que outrora em fantasia vivi restou-me o tenro gozo de nada mais nada além que uma ocasional noite inteiramente dormida em meio ao turbilhão da maternidade, de um café bem prensados às 5 da manhã, do pequeno assobio de um velho beija-flor, do refrão de Samba da Bênção entoado por meu filho no banco de trás a caminho da escola, do restauro de laços antigos e fragmentados com amigos da infância dispostos a abraçar de volta esta pobre vaidosa que outrora sucumbiu às grandiosidades lá longe.

Descobri, na mágica idade de 33 estar fadada à vida comum. Essa mesma, para quem não mais cabe mudar o mundo. No máximo, talvez, “uma planta de lugar”. Que vazio isso traz! Estaria Atlas tão acostumado ao peso que se um dia o mundo evaporasse ele também se sentiria meio perdido?


Veja-me novamente ainda vaidosa comparando-me a Atlas! É que os pesos da vida pequenininha por vezes também se assemelham a um mundo nas costas… Acreditem os grandes homens e mulheres ou não.


Quão árdua é a reconfiguração da mente e do coração destituídos de sua candidatura a um papel de líder dentro de uma ilusória Grande Vida pelo miúdo papel de figurante nessa vida pequenina**, cuja beleza parece tão vazia, aos poucos preenchida pelo pequeno broto que surge na planta que se muda de lugar, pelos sorrisos arrancados dos novos rostos que aparecem nesse novo enredo, pelas ruas percorridas sob pores do sol até então tratados com displicência pelo grande caminhar que mirava apenas as constelações, pelos novos cantos que recontam uma nova história, cujo brilho se examinado bem de perto é bem provável que se assemelhe ao das estrelas que por ventura poderia ter contemplado se houvesse alcançado a grandeza de um dia ser astronauta.



As músicas:

* “Malandragem”

** “Wish You Were Here”

domingo, 7 de agosto de 2022

Pôr do Sol

 Recentemente conheci alguém muito especial e imediatamente encontramos um ponto de conexão: a paixão em comum por pores do sol. E quem não os ama? O menos romântico leitor perguntaria… Bem, não era uma paixão leviana e sim, de fato, um apreço especial por esta pintura desprovida de defeitos que todos os dias agracia o olhar de quem volta pra casa após um dia peculiarmente cansado.


Não há artista que se canse de retratá-lo, não há poeta que resista a verter versos à luz e sombra que apenas um Por do Sol pode provocar no papel. Não há lente que não abra alas ao reflexo produzido na hora dourada.


Portanto, estabelecido está que a admiração, quase uma reverência, que tínhamos pelo pôr do sol ultrapassava a mera afinidade superficial.


E assim, o novelo de um singelo conto desenrolou-se a cada raio de luz às 17h30. Trocávamos, inclusive, análises individuais sobre determinada nuvem ou têmpera de ar formada nos diferentes locais de observação onde por ventura estivéssemos naquele dia.


Foi, também, ao pôr do sol que pude contemplar camadas perigosamente profundas e claras naquele olhar que a qualquer instante arrebataria meus pensamentos em praticamente todas as outras horas do dia e não mais apenas ao entardecer.


Finalmente, toda pequena história escrita em qualquer lugar que não seja nas estrelas, chegou ao seu fim. Ora, escolhemos justamente o “fim” do dia para entoar nossa canção. Absolutamente esperado que seu refrão não se repetisse mais que uma vez, que as notas eleitas não passassem de duas só, que não estivesse entre as primeiras mais tocadas, que se viva seria cantada absolutamente por ninguém outra que Nico.


E quando se dissolveu docemente o último diálogo, o último entrelaçar de dedos, o último café, o último sorriso, o último olhar, a última música, o último pedaço do bolo de canela, o último partilhar de qualquer dor que persistia no peito. O último abraço… Vi-me sozinha com o pôr do sol.


Se eu pudesse só naquele dia apagá-lo! Cada pincelada de laranja, amarelo, branco e azul zombavam de mim. Nem mesmo as cortinas dos olhos conseguiram calar aquele brilho enfadonho e pela primeira vez achei-o feio, ainda que especialmente naquele dia tons de rosa estivessem lá também.


E assim, em nenhum dos dias subsequentes meu pesar foi respeitado pelo céu. Foi como se o horizonte não houvesse percebido o que passava uma de suas filhas. Que ultraje! Ao cabo de uma semana vi-me em uma encruzilhada: declarar ódio à hora que me abraçara por toda a vida ou deixar-me envolver por ela ainda mais.


Senti-me naquele poema sobre asas que envolvem com uma espada oculta em sua plumagem*, pois escolhi deixar-me conduzir pela dor e pelo sumblime que há em uma pétala que cai, em uma gota que evapora, em um pássaro que voa. Um sol que se põe…


Se possível, o por do sol ficou apenas mais belo após uma das crônicas mais lindas que já vivi.



*"Do Amor" - Khalil Gibram.






domingo, 9 de junho de 2019

Solitaire People


I was born solitaire – “alien” in the popular vernacular. Don’t get me wrong, I always had a little gang, friends and stuff, but there were times when I just needed a break from people.
Time went by and I even got married! Who would say! It was an abusive one, of course – but there you go, I took the risk and even tried to work it out anyway. That marriage took seven years of my life, most of my twenties. It gave me a child – the most precious thing ever – and a couple of scars that I hope writing will help me to wash it off soon.
Writing always functioned as a sort of an exorcising for me. I wish a simply cold shower could do the dirty job.
 And here I am, back to where I should never have left, the same place where I found myself embraced as a teenager: writing peacefully in a cafe in my hometown, eavesdropping silly conversations about trivia that really do not interest me, finding landscapes and more meaningful dialogs between characters in my head. Very arrogant  mental of me.
Again, don’t get me wrong: last month I even gave dating a try! Out of stepping out of my comfort zone for a change, It wasn’t bad at all, I’m just not ready.
Last week I turned thirty and I caught myself doing the exactly couple of things that a did  at fifteen: writing, browsing about fictional characters, reading. Should I be worried that I didn’t moved forward in life?
Should I be more worried that I actually moved forward (marriage, career, kid) and come BACK? Let me throw my two cents on “moving forward”: what you may call moving forward, for me, was a major kickback. If Fernando Pessoa didn’t play a huge part in my way of life, with his “everything is worth it when the soul is not small” I would be in serious emotional rehab right now.
Moving forward has nothing to do with fulfilling a silly imposed life-checklist. I may have moved back, but my heart  is a little redder and the pleasure of my own company is not so much taken for granted. Besides, driving my kid to school with a respectful 70’s soundtrack  gives me a whole wilder perspective on how, maybe, I moved just a little forward. If not forward, a little deeper.






quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Lightnings on Motherhood



Just yesterday I heard how mothers became attached to their babies more than anyone else because of the nine previous months when babies spend time in their belies. For most people inside there are nothing more than a lump. For mothers that lump is a being from the start.

Here I am: on the threshold of our first separations, only a few hours a month when baby and I will be apart for a couple of hours, so I can get some work done and he spend time with others. For me is pure torture. And I can tell that for baby too. Only a few understands that, but just yesterday I heard: for most people, baby is only 6 months into the world, for the mom, he is 15.

How do I feel as a mother? Do my heart is fill with unconditional love and happiness? Do I see the world differently?

My heart is definitely full. But not only with love, I dare to say… It is filled most with fear, solitude and yes, an unshaped specie of love – which frightens sometimes, because as most of those unshaped and unclassified species on the Discovery Channel, we don’t know how it will behave. As a proof of that, I’m such a mess that I managed to scare (far) away the dad and almost all of my friends, which now walks by like I walk by the lion at the zoo: not taking for granted the bars between us.

Hence the solitude…

Now, back with my parents, in my old room, with my baby in arms and my old Teddy Bear (who is actually a dog) aside, motherhood lost all of its romance. I mean, the plan was to give it away Teddy to my son in a gentle gesture of passing along a beloved toy - very appropriated -  but now I took it back as a selfish child. Teddy is now the only one I can take on on the lonely late nursing hours.

So there you have it: a solo mom, with a baby in one arm and at scrappy teddy bear on the other, with a kind of love that seems to have fangs, plenty of fears and an unshaped belly that just won’t quit. It can’t get messier than that.

Or can it?

With down approaching and Teddy looking at me -  his old eyes of pure wisdom –  I think that (you know what!) I could do a lot worst. See, the brave ones did not walk away because of my new fangs, the fears are very handy when you need to be extra careful in this jungle world, and the best of all: baby is safe and sound. And as for the so wanted romance, just remember it: great mothers of mythology also did this with solitude.


From Egyptian goddess Isis, to Rhea (Zeus mother for god’s sake!), we have powerful moms raising their sons in solo style. After this, I guess tomorrow I’ll have to give Teddy up and stop sobbing. After all, the world changed completely: it gained the most beautiful smile and little feet. 



Photo: "26 weeks", by good friend @leandrogriot

P.S.: meet teddy bear on the pic.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Mar de Sonhos



Entre meus dedos escapam os Sonhos,
Cenas aladas de um tempo já vivido.
Cenas turvas à deriva
De ondas fortes e um vento ávido.

É tesouro escondido esse Sonho.
Em baú imenso,
Mas de essência acordada.
Sob mar insano,
Em nau há tempos ancorada.

Encontrá-lo é meu desejo.
Passo meus dedos por mil mapas,
Tecidos com as cordas castas
De meu peito em arpejo.

Aos sete mares clamam alto
Os meus lábios:
- Onde estás, Sonho, que da vida é arauto?
Se entre estrelas, 
Serão minhas fibras os astrolábios!

Se entre marés
Serei leme, vela e convés
A buscar-te oceano a fundo
Enfrentar o mundo, leviatã, fúria e revés.

Mas se estiveres na profundeza 
de meu próprio Ser, calo o meu apelo.
Pouco vale minha destreza...
Inútil é procurar,
Para encontrar basta vivê-lo.

Recordo que entre meus dedos tão aflitos,
Os Sonhos escapavam.
Mas ao deter os monstros que avançavam,
Começaram minhas mãos a esculpi-los.

Avisto em mim, a calmaria.
Se acalmam os lemes, o timão e as velas.
Eis que os Sonhos viverão enfim
Se de meu coração faço olaria
Concha nobre a moldar pérolas.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Outono






De mil cores, o pincel escolhe as pardas

Na paisagem, o rosto de um menino
E lhe retrato as sardas,

Mesmo que seus olhos de cores seja um ninho

Resta-me entender e contentar-me
Com o neutro da paisagem
Pois a cor se esconde
Quando a busco ao longe...

Porquanto as cores dormem quando
A natureza quer passar mensagem.
Em sopro baixo e sem cor aparente,

Sem proeza ou som estridente.

As cortinas de meus olhos, então
Se fecham.
E até os jogos do menino cessam.
Recolho dentro as cores que me restam.

Encontro no âmago o esconderijo
Das cores que ao longe
Não se expressam

Por trás do pano, num só ângulo se mistificam

Ali, as sardas em sorriso se esticam
E da cor parda
Vejo agora paisagem pintalgada.

Eis que o tom também descansa
E se é puro silêncio o teu canto
E se o horizonte, no outono, não alcança
O mais profundo sono é teu recanto.


Mariana Melo