domingo, 29 de agosto de 2010

Pequena História de Amor que Veio da Lua


De tanto se perder no jogo de adivinhar desenhos nas nuvens, já os conseguia prever desde o amanhecer. Ao meio dia já não precisava adivinhar, pois sabia convictamente que surgiria em algures acima de si a figura felpuda de um frade rechonchudo almoçando.
Sentindo falta de adivinhar as coisas no céu, apertar os olhos e sentir a comichão de quem não sabe o que está acontecendo lá em cima começou a olhar para as estrelas, gastando tempo emburrada com a pueril arte de ligar pontos.
Certo dia em que os pontos não apareceram quem lhe chamou a atenção foi a lua. Olhou uma, duas vezes e na terceira percebeu que, ora! Ali também se desenhava. De um lado um senhor a enfrentar dragões e no outro dia quem estava lá era uma escultura de mármore entalhada.
Contudo, os dragões sumiram logo e a ligeiramente abstrata mármore sintetizou-se na figura meio torta de um coelho. Esfregou os olhos e a imagem continuou lá. Igual como vez por outra um bebê elefante aparece nas nuvens, lá estava a imagem de um coelho desenhado por crateras.
Encucou-se com isto e boa parte da vida andou atrás de quem visse coelhinho na lua também. Sequer as crianças conseguiam e os loucos ficavam sóbrios diante dessa maluquice. Foi se entristecendo, porque existem idéias com uma angustia de serem compartilhadas com alguém.
Certo dia, exausta de tanto procurar quem lhe provasse que não era louca ao ver um coelho na lua, estatelou-se na grama. Foi quando um passante de pisar manso parou abruptamente:
- “A lua está saltitante hoje...”
Esfregou os olhos para ver a figura do moço cujo tom de voz revelava que devia guardar no coração toda sorte de imagens lúdicas e histórias sem fim sobre outros universos.
- “Por acaso consegues ver que tem um coelho na Lua?” – continuou.
De um salto pôs-se de pé e plantou-lhe um abraço cheio de sede e gratidão. O sujeito não pareceu achar aquilo estranho e abraçou de volta. E enquanto abraçava apontava a lua com a mão que não lhe apertava as costas, como que para confirmar pela terceira vez que conseguia ver um coelho na lua.
Desavençou-se do abraço, sorriu e olhou na direção em que o dedo apontava, meio que para acalmá-lo com a confirmação de que também via o que ele via. Só que... o coelho não estava mais ali. Os cantos de seus lábios caíram num susto triste. Seus olhos se abriram mais e as mãos coçaram porque não podiam alcançar o céu e vasculhá-lo como uma gaveta em busca de algo.
Sumiram os desenhos de crateras. Sentindo o peso de Atlas no coração, o rosto doce se transformou em borrão e, quando as lágrimas brotaram de um jeito selvagem, começou a se afastar com o pesar de quem perdeu tudo.
O pobre ficou a ver navios e coelhos em luas. Sem entender, sentindo entre os dedos o vento de um pássaro que só fez menção de pousar, com o gosto pouco do abraço que pensara ser pra sempre.
... passaram dias em que os desenhos sumiram de sua vista. Quando em certa noite acordou por um barulho que vinha da janela. Esfregou os olhos, olhou uma, duas, e na terceira enxergou no vidro um rabisco feito com marcador de texto pelo lado de fora: a tinta contornava a lua e dentro dela estava desenhado um coelho, de forma rústica e sem arte, mas que significava o mundo.
Os cantos de seus lábios se levantaram devagar, acordando de um sono cinza. Aproximou-se da janela e finalmente pôde tocar a lua e acariciar suas figuras. Do outro lado outra mão cheia de alívio tocou o vidro: era extremamente importante para ele que ela de alguma forma – qualquer que fosse a forma – visse o que ele via.

5 comentários:

Maoli disse...

Impressionante a leveza do texto. Como disse alguem: "Simplicidade genial!"

(BC Maoli)

tony disse...

Interessante quando sentir já começa assim, sem fronteiras. Excelente texto :)

ah, respondendo aqui o que você comentou: estamos mesmo num "mito da caverna 2.0", onde a mídia (e alguns "formatos sociais") formam as paredes e os produtos / serviços são os que passam lá por fora... para outros publicitários é praticamente uma heresia dizer 1 coisas dessas :D...

ótimos dias pra ti!

Anônimo disse...

Diz uma lenda japonesa que os coelhinhos da lua podem ser vistos durante uma noite de lua cheia amassando alegremente bolinhos de arroz e indo mais além, a lenda prossegue dizendo que quem comer Mochi (bolinho branco feito a partir de arroz cozido) no dia de ano novo terá prosperidade e longa vida. =D

João disse...

Eu nunca sei direito o que comentar sobre os seus textos. Só sei que eu gosto de sempre voltar aqui pra ler. Acho que é isso.

Jenny Souza disse...

Eu deveria ouvir melhor a grama a partir de agora.
Supimpa seu blog. :)